Por Maria*
Sim, há mães que são mães sem darem à luz. Porque não são as dores do parto que nos acompanham durante a vida dos nossos filhos. São as dores dos nossos filhos que nos marcam durante toda a sua vida…
Eu sou MÃE sem dar à luz, sem saber o que sente quem tem um filho de parto normal ou de cesariana… Simplesmente porque chegou um tempo em que verifiquei que o “meu” filho não proveria por via natural. Mas ele chegaria…um dia. E chegou!
Depois de ultrapassar muitas barreiras e fronteiras quase intransponíveis, ele chegou, dezoito meses de gente, vermelho de cara queimada pelo frio e um cabelo grande, de quem não o corta porque sim.
Uma cara linda, no meio de uns caracóis louros, e uns olhos pretos como as azeitonas o são. Hoje, passados 26 anos, o “meu filho” tem cabelo preto e olhos cinzentos esverdeados, muito por culpa deste meu coração de mãe que se calhar até as cores lhe consegui mudar…
Fomos sempre um para o outro, mas acima de tudo um com o outro, a viver lado a lado e a aprender a saber que ambos estamos presentes todos os dias, qualquer que seja a gravidade da situação – e houve tantas!
Na altura de fazer escolhas de sexo ou cor de pele, nada escolhi, apenas disse que iria querer o “filho” ou “filha” que precisasse de uma mãe, o que significa cuidar, dar colo e lamber as feridas – como fazem os animais às suas crias (eles sabem que os bebés são delas e não deixam de cuidar se mais “algum filho” for colocado dentro do seu ninho; e criam da mesma forma que criam os filhos saídos do seu ventre…sem engano ou distinção).
Dei ao meu “filho do coração”, casa para se abrigar, comida e água para se saciar, roupa para se vestir e sapatos para se calçar… coisas menos importantes. A mim, ele deu-me, e continua a dar-me, muito mais. O seu amor e carinho incondicionais, o seu perdão quando não estou tão bem, o seu estender de mão quando necessito. Não é meu filho do ventre, pois não nasceu das minhas entranhas, mas do coração. Entranha-se todos os dias no meu ser como se fossemos um só. Porque só nós nos entendemos como ninguém. Não precisamos de falar, apenas de olhar… sem nada dizer para tudo compreender… sem medos, receios ou mentiras.
Hoje, passados todos estes anos, ainda me chama, muitas vezes, de “mãe galinha”. Mas, digo eu, será que isso de ser mãe galinha não é colocar os pintos debaixo da asa para os proteger? E qual é a mãe que não é protectora? Para que serve se não para proteger, abrigar e chorar quando o seu filho está triste ou doente? Quando não está tão bem?
Mas nunca uma mãe galinha no sentido de “agarrar”, sem deixar voar, sem permitir que o pinto cresça e as asas o deixem voar. Eu sou galinha sim, mas no sentido de ajudar e ensiná-lo a voar com as suas próprias asas e, sobretudo, a sonhar. Pois o sonho leva-nos mais longe e não se pode viver sem sonhos…
Mais importante do que ter dois sobrenomes, e lembro que o número de crianças sem nome de pai tem crescido em Portugal, é ter uma Mãe que é muitas vezes obrigada a ter o papel de pai e mãe, e ensinar a cria a crescer, não só em sabedoria mas acima de tudo em bons princípios e com bons exemplos. Para que um dia se lembre que foi assim que a “MÃE do CORAÇÃO” lhe ensinou…
O meu F…tem, desde os cinco anos, o nome de mãe e pai. E tenho de agradecer, como agradeço todos os dias, nas minhas orações, à Mãe da “Barriga” do meu “menino” por ter sido digna ao dá-lo para adopção e não o ter maltratado, como muitas fazem (mas essas, essas não são dignas de ser chamadas de “mães”!).
Quando era pequeno, o F…dizia que tinha três mães: a mãe do Céu, a da Barriga e a do Coração. Hoje, continuo a ter muito orgulho em ser a mãe do coração, o que para mim é sinónimo de ser aquela que dá amor, carinho, é compreensiva, resiliente, enfim, a que tem todos aqueles sentimentos que só esse, o coração, consegue conter. E é esse que comanda, é o coração que nos faz viver… que nos faz amar incondicionalmente… sejam filhos vindos do céu, da barriga ou como o meu do coração…
* Por força da delicadeza do assunto que decidiu abordar neste seu primeiro artigo para o Mulher do Leme, esta “ilustre convidada” preferiu apresentar-se assim, apenas com o nome Maria.